quarta-feira, 15 de julho de 2009
Teatro II Brecht, Bertolt. Esse é o livro!!!!
Este volume das peças de Bertolt Brecht, o segundo da série de oito que os Livros Cotovia estão a publicar, abarca o período que vai de meados dos anos 20 até ao começo dos anos 30 e inclui, curiosamente, a peça de teatro mais representada do revolucionário dramaturgo alemão («A ópera dos três vinténs»), a menos representada («A vida de Eduardo II de Inglaterra» —que é também a estreia de Brecht como encenador), e as primeiras incursões no teatro musical e na ópera, que inauguram a notável, mas breve, colaboração com Kurt Weil. Organizado cronologicamente, como sucede com todos os volumes desta série, Teatro 2 publica traduções novas a par de traduções já existentes, todas elas sob a orientação de Vera San Payo de Lemos, que assina também a introdução do volume.
Nessa sua primeira encenação, em 1924, Bertolt Brecht ensaia a prática e a teoria do teatro épico, isto é, a construção de efeitos de estranhamento que fomentem uma atitude crítica e interveniente por parte do espectador. Interrompendo o fluir da acção e, assim, a concentração do espectador no desfecho, recorda-se-lhe que a arte não é a vida e sublinha-se a teatralidade e o artifício da representação. Notável, indiscutivelmente, é continuarmos hoje a considerar modernos, quando não arrojados, certos efeitos a que Brecht já então recorria: projectores à vista nas varas, falas ao público acompanhadas de mudança de luz, actores presentes em cena a aguardar o momento de desempenhar o seu papel, cenário e adereços reduzidos a elementos significativos e funcionais, figurinos depurados identificadores de grupos, estatutos e papéis sociais, mudanças de cena feitas à vista do público, etc.
Se as duas primeiras peças deste volume são influenciadas pelo ambiente da crise pós-Primeira Guerra Mundial, as restantes trazem a marca da situação económica, social e política da Alemanha no final da década de 20: o clima de efervescência e consumismo proporcionado pela estabilidade da República de Weimar após a crise do pós-guerra termina no Outono de 1928, quando o colapso da Bolsa nos EUA faz disparar a crise económica, aumentando o desemprego e conduzindo a greves sucessivas. Em 1929 começam as perseguições aos judeus e aos comunistas; a fanatização das massas, desejosas de ordem e segurança, leva ao crescimento do movimento nazi junto da população. A encenação radical que Brecht faz da peça «Um homem é um homem» (obrigando os actores a deslocarem-se sobre andas, a esconderem a expressão sob meias-máscaras, a usarem grandes luvas, transformados numa espécie de títeres) suscita, naturalmente, grande escândalo logo na noite de estreia, tal como já sucedera com «Ascensão e queda da cidade de Mahagonny», a peça que inaugura a poderosa colaboração com o músico Kurt Weil.
Ainda que muita da notoriedade pública da obra de Brecht se deva à sua vertente musical, o trabalho com Weil foi sempre pontuado por discussões acesas e durará apenas cerca de 4 anos. Demarcando-se do wagneriano conceito de ‘obra de arte total’(em que os elementos do espectáculo existem em função uns dos outros e o próprio espectador participa desse processo encantatório de fusão), Brecht aplica o método do teatro épico à ópera, o que resulta na ‘separação radical dos elementos’, que consiste no tratamento da música, da palavra, da representação e da imagem como elementos independentes.
Mas foi realmente singular o resultado da colaboração Brecht / Weil: o êxito da produção de 1932 de «Ascensão e queda da cidade de Mahagonny» é surpreendente para uma ópera contemporânea (cerca de cinquenta récitas), ao qual não será alheia a hábil estratégia promocional que põe à venda, no teatro, discos com versões instrumentais das canções -- discos estes que serão retirados de circulação em 1933, depois da subida de Hitler ao poder, e exibidos nas exposições de ‘Arte Degenerada’e de ‘Música Degenerada’(1937 e 1938) como exemplos ‘repugnantes’da ‘tendência judaico-anarquista’apostada em destruir a arte sublime da época. Maior êxito artístico e comercial obterá «A ópera de três vinténs», essa espécie de ícone da Berlim dos anos 20, que não é apenas a mais representada de todas as peças de Brecht: é, também, uma das peças de teatro mais representadas em todo o mundo.
É ainda em meados da década de 20 que Brecht começa a dedicar-se ao estudo do marxismo, sistema determinante no seu trabalho de aí em diante, em particular no começo dos anos 30, com as chamadas peças didácticas (que constituem o volume 3 desta série que os Livros Cotovia estão a publicar).
A crescente influência dos nazis revela-se na forma como intervêm na vida pública e investem contra a liberdade de expressão cívica e artística. Um mês depois da ascensão de Hitler ao poder, em Janeiro de 1933, Brecht abandona a Alemanha para um exílio que durará quinze anos. Regressará em 1948 a uma Alemanha destruída, ocupada e dividida, e fixará residência em Berlim Leste, onde fundará o teatro Berliner Ensemble, pretendendo colaborar no projecto de construção de uma sociedade socialista na República Democrática Alemã.
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